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sábado, 26 de julho de 2008

Aprendendo a Andar de Bicicleta


Aeretes tinha quatro anos quando ganhou sua primeira bicicleta. Uma bicicleta com quatro rodas, mas uma bicicleta. E como aquele brinquedo inspirava liberdade! O vento, lento vento, batendo contra o rosto, a velocidade, lenta velocidade, com que as tábuas da cerca corriam para trás, a sensação de conquistar novos espaços, novos territórios. Agora era ele quem corria na frente e seu cachorro ia atrás, nunca mais seria o contrário, nunca mais ficaria para trás. Estava feliz como nunca antes estava e permaneceria assim para sempre.

E para sempre acabou uma semana depois, quando viu a bicicleta que seu irmão ganhou. Maior, duas rodas, reluzia no sol de janeiro. Aeretes viu a bicicleta de seu irmão correr a rua, cruzar a rua, voar na rua. Aquilo era uma máquina, uma máquina envenenada. Mas ele não queria demonstrar sua insatisfação. Queria mostrar que ainda gostava de sua bicicleta de quatro rodas. Tinha quatro rodas, era melhor que a do seu irmão, que só tinha duas. Não era ainda rápido porque não era mais velho, mas quando fosse, ele iria ver como ia correr. Mas não se enganava tão fácil, queria mesmo aquela máquina de duas rodas.

Num final de tarde decidiu, iria pilotar aquela máquina de duas rodas, sem falar nada para ninguém, sem pedir nada para ninguém. Empurrou a bicicleta até a rua, bem próximo de uma escadaria. Subiu um degrau e colocou o pé esquerdo no pedal esquerdo da máquina, usando o outro pé para dar um impulso. Não tinha nem altura para alcançar o selim, mas sentar-se era o que menos pretendia naquele momento: queria mesmo era domar aquela máquina.

E impulsionava seu corpo para frente e tentava pedalar. Quando notava que ia perder o equilíbrio logo apertava o breque e colocava o pé direito no chão, tomando todo cuidado para não cair. Não podia chegar em casa todo machucado nem arranhar a bicicleta do seu irmão. Voltava para a escadaria e repetia tudo de novo, pé esquerdo no pedal esquerdo, impulso com o pé direito, pedalando em pé na bicicleta, apertando o breque quando notava que perdia o equilíbrio, pé direito no chão, empurrando a máquina de volta à escadaria.

Incontáveis foras as vezes que Aeretes tentou e, antes do sol se pôr, ele conseguiu erguer e descer seu pé esquerdo junto com o pedal esquerdo, e o mesmo com o direito, e ganhava a rua, e ganhava equilíbrio, e conseguia fazer uma curva, o guidão lutando para virar-se contra ele e ele forçando-o a permanecer na mesma direção para voltar, pedalando, até a escadaria. E conseguiu!

Uma explosão! Era o que estava sentindo por dentro. Uma tremenda de uma explosão. Tinha conseguido dominar a máquina, a fera! Ele, quatro anos, tinha conseguido pilotar a bicicleta de duas rodas! Voltou correndo para casa para contar a novidade. Falou tudo, contou para o pai, fez festa para a mãe, comentou com o irmão enquanto ele assistia televisão, o que foi melhor, pois assim não apanharia por ter pego a sua bicicleta.

Mas ninguém lhe deu atenção. Legal, muito bom. Não entendiam que aquele simples auto aprendizado de andar de bicicleta significava muito para o Aeretes. Não o próprio aprendizado, mas o que ele havia passado para aprender, desde o momento em que decidira pegar a bicicleta de duas rodas e pedalar até o momento que conseguiu sair da escadaria e retornar, sem colocar os pés no chão. Ninguém entendia que o que fez era muito mais que uma conquista pessoal, era também um caminho de um guerreiro, o auto aperfeiçoamento constante. E isso o pequeno Aeretes também não entendia.

Voltou com a grande bicicleta para a escadaria e voltou a repetir a experiência. Conseguia facilmente pedalar e voltar até o ponto de partida, sem colocar os pés no chão, mas não tinha mais a mesma graça. Não gostava mais daquela máquina. E voltou empurrando-a até o quintal de casa. Não tinha mais graça alguma aquilo ali.

E nunca mais Aeretes pedalou, pois todo o esforço que demonstrou foi ignorado. De que valia fazer uma coisa se ninguém dava valor? Aeretes poderia ter sido diferente se apenas uma palavra de compreensão, naquele dia, tivesse sido dirigida a ele. E muitas coisas poderiam ter sido diferentes desde então.

18/05/04

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